19 de out. de 2016
18 de out. de 2016
Horário de verão e a Biologia
COMPASSO QUE VARIA DE PESSOA PARA PESSOA
PARA ALGUNS, ACORDAR CEDO É SINÔNIMO DE VITALIDADE E ENERGIA. PARA OUTROS, É COMO COMEÇAR O DIA COM O PÉ ESQUERDO. ENTENDA COMO A CRONOBIOLOGIA EXPLICA PORQUE UNS SOFREM MAIS QUE OUTROS COM A MUDANÇA DE HORÁRIO
PARA ALGUNS, ACORDAR CEDO É SINÔNIMO DE VITALIDADE E ENERGIA. PARA OUTROS, É COMO COMEÇAR O DIA COM O PÉ ESQUERDO. ENTENDA COMO A CRONOBIOLOGIA EXPLICA PORQUE UNS SOFREM MAIS QUE OUTROS COM A MUDANÇA DE HORÁRIO
ANA LAURA PARAGINSKI | alparaginski@ucs.br
Fotos de ClaudiaVelho
Fotos de ClaudiaVelho
O ritmo circadiano é a maneira pela qual nosso organismo se adapta à
duração do período claro (dia) e do período escuro (noite), de forma a
sincronizar as funções fisiológicas com a duração de um dia (aproximadamente 24
horas). Por exemplo, o ciclo sono-vigília se organiza dentro do período das 24
horas de duração do dia. A oscilação da nossa temperatura corporal também
obedece a um ritmo em que ela diminui de madrugada, e, perto da hora de acordar,
volta a subir, e isso se repete todos os dias. Por isso, diz-se que a
temperatura corporal apresenta um ritmo circadiano. "Essa adaptação se dá
pela expressão de diferentes genes, os chamados genes do relógio. Nós temos um
oscilador central localizado no nosso cérebro e que vai regular a expressão
desses genes nos seus neurônios de acordo com a presença ou ausência da luz.
Esse é o relógio biológico principal, chamado Núcleo Supraquiasmático
(NSQ)", relata a professora do curso de Biologia da UCS e PhD em
Cronobiologia Humana, Giovana Dantas de Araújo. Então, quando falam em relógio
biológico, você pode estar ciente de que ele realmente existe e fica dentro da
nossa cabeça. "A oscilação do núcleo supraquiasmático comanda oscilações
em relógios secundários existentes em outros tecidos que também vão modificar a
expressão de seus genes por ordem desse relógio central. Juntos, eles formam um
sistema temporizador. A própria expressão gênica no núcleo também obedece a um
ritmo circadiano, com genes que são expressos durante o dia e genes que são
expressos durante a noite", ressalta Giovana.
MELATONINA: O HORMÔNIO DO ESCURECER
Ao escurecer, a ausência de luz provoca modificação nas células da
retina implicadas na percepção da variação na luminosidade e não da visão.
Estas disparam sinais que são enviados para ativar o núcleo supraquiasmático.
Este, por sua vez, faz com que o gânglio cervical superior libere o
neurotransmissor noradrenalina que estimula a glândula pineal a produzir e
secretar a melatonina a partir do aminoácido triptofano. "A melatonina é o
hormônio responsável por sinalizar o início da noite e sua duração e, assim,
iniciando uma cascata de eventos fisiológicos justamente para preparar o
organismo para o repouso", salienta a professora.
A principal enzima envolvida na síntese da melatonina, a N-acetiltransferase (NAT), é estimulada pela escuridão e a presença de luz faz com que ela seja destruída. Então, a própria luz, ou a sua ausência, é o sinal para começar e terminar o processo. Além disso, existe uma relação direta entre o aumento da disponibilidade de noradrenalina e o pico noturno de melatonina. Portanto, a secreção de melatonina também apresenta um ritmo diário. Sendo assim, o ritmo está presente em todos os seres humanos, inclusive nas pessoas cegas. Na verdade, todos os organismos apresentam um ritmo biológico.
"Como é possível notar, o nosso relógio biológico se sincroniza com a duração do dia e isso leva à sincronização de várias outras funções. Então, a presença da luz do dia é a principal pista ambiental que nós temos para acertar o relógio biológico, mas outras pistas também são importantes, desde que haja regularidade, ou seja, ocorram sempre em torno do mesmo horário. Estas são pistas sociais, como a hora do início do trabalho e a hora das principais refeições", comenta Giovana.
Pesquisas mostram que se as células NSQ são cultivadas in vitro, elas
são capazes de manter seu próprio ritmo na ausência de sinais externos. Isso
significa que o ritmo é gerado endogenamente em cada pessoa. Se cada pessoa
gera seu próprio ritmo, existem diferenças de uma pessoa para outra e isso pode
acarretar consequências que vão desde a adaptação mais rápida ou mais demorada
ao início do horário de verão até a maior presença de sintomas depressivos em
pessoas com determinado perfil cronobiológico.
VOCÊ É MATUTINO OU VESPERTINO?
Todo mundo conhece alguém que acorda super cedo com toda a energia.
Chega no trabalho, agiliza as atividades e cumprimenta a todos com muita
euforia. Mas também é conhecida aquela pessoa que tem dificuldade para acordar
cedo, chega com "cara de velório", mas é a última a sair do trabalho,
além de estar sempre disposta para aquele happy hour no final do dia e vai
dormir depois da meia noite. Para essa pessoa, horário de verão é um horror. A
essa diferença individual que diz respeito às variações na expressão rítmica
dos padrões biológicos e comportamentos chamamos de cronotipo.
Embora sejamos a maioria do tipo indiferente, ou seja, "nem tão
cedo e nem tão tarde", todos podemos reconhecer as características de um
ou de outro tipo em nós mesmos. Portanto, conseguimos nos adaptar às rotinas de
trabalho e estudo mais convencionais: acordar às 7h para estar no trabalho às
8h ou 8h30; realizar todas as nossas atividades até às 19h ou 19h30 para às 23h
estar dormindo. Porém, existem pessoas que não são assim: ou são mais matutinas
ou mais verpertinas, como nos exemplos do parágrafo anterior. Portanto, não
convém ficar julgando as pessoas ou chamando-as de preguiçosas. Isso é um tipo
biológico e está presente em muitas pessoas que pertencem ao nosso convívio
diário.
A distribuição dos cronotipos na população é genética, mas o ambiente
influencia e, além disso, a preferência matunidade-vespertinidade muda com a
idade e com o sexo. Bebês são mais matutinos. Na adolescência, tornamo-nos mais
vespertinos. O ápice da vespertinidade ocorre aos 19 anos para as mulheres e
aos 21 para os homens. Depois, a maioria das pessoas passa a se aproximar da
matutinidade, primeiro as mulheres, e os homens depois, aos 50. Então, no
decorrer da vida, a maioria é indiferente, mas numa idade mais avançada vamos
nos tornando mais matutinos.
O JET LAG SOCIAL
Para pessoas mais matutinas ou mais vespertinas, os horários
convencionais podem ser conflitantes com o tempo interno e tanto sua
produtividade no trabalho, como sua qualidade de vida podem ficar
comprometidas. Essa diferença entre o horário convencional e o horário ideal de
cada pessoa é chamada de jet lag social porque, à semelhança
do que acontece quando se viaja e se troca o fuso horário, o indivíduo fica
dessincronizado.
A obrigação de acordar e dormir em horários biologicamente inadequados
cria um conflito entre o sincronizador social (horário de trabalho/estudo) e o
ritmo interno do indivíduo. Porém, a adaptação das funções fisiológicas, em
virtude das mudanças ambientais sinalizadas pelo núcleo supraquiasmático, não
ocorre de maneira adequada porque as variáveis fisiológicas se adaptam com a
mesma velocidade ao horário: o NSQ "manda", mas algumas funções ?não
obedecem?, e a própria expressão dos genes dentro do núcleo também fica
descompassada.
Para a professora de Fisiologia da UCS, Claudia Adriana Bruscatto, o
sono tem os objetivos de organizar as informações coletadas durante o dia e
restaurar as fontes de energia. "Com as alterações do horário de verão,
tanto para adiantar como para atrasar, o nosso relógio biológico é alterado e
isso leva a resultados como sonolência durante o dia, irritabilidade, déficit
de atenção, entre outros", explica Claudia. Para Giovana, o principal
efeito dessas alterações, especialmente no ambiente de trabalho, é o impacto
sobre a capacidade mental das pessoas, afetando memória e cognição, o que gera
uma maior possibilidade de se cometer erros ou de ocasionar acidentes. "A
exposição à luz artificial por longo tempo, como ocorrem em fábricas,
hospitais, shoppings centers e outros locais, onde os trabalhadores não têm
acesso à luz natural, é outro fator que pode acarretar em prejuízo para o ritmo
biológico, bem como para o humor", ressalta.
Existem muitas evidências de que a sonolência e a fadiga causadas por
desalinhamento circadiano e débito de sono têm sido as principais causas de
acidentes graves e tragédias em indústrias e transporte e também a causa de
erros médicos cometidos por plantonistas e residentes. O polimorfismo de alguns
genes do relógio também pode predispor ao comprometimento cognitivo associado à
ruptura de ritmo do ciclo sono-vigília, como ao observado na privação de sono
durante a noite, mostrando que existe um componente genético que leva a
diferenças individuais.
A INFLUÊNCIA DA LUZ
As principais fontes de luz artificial as quais estamos expostos são as lâmpadas
fluorescentes, telas de computador, televisão e aparelhos celulares que emitem
na faixa do comprimento de onda do azul, a mais comum atualmente. Essa
exposição à luz artificial por um longo período, principalmente a partir do
horário em que já escureceu, é prejudicial tanto para a regulação do ritmo
biológico quanto para o humor, já que essa mesma via também se comunica com o
sistema límbico, uma região cerebral importante para a regulação do humor. As
células da retina que enviam informação através dessa via são extremamente
sensíveis ao comprimento de onda do azul, enquanto são muito menos sensíveis
para o comprimento na faixa do vermelho.
A compreensão da cronobiologia é fundamental para a organização do
trabalho nessa sociedade que vive as 24 horas do dia. A adequação ambiental dos
locais de trabalho também é muito importante, já que a luminosidade é o fator
que mais fortemente influencia o ritmo biológico. Entender o impacto dos ritmos
biológicos, principalmente do ritmo circadiano, a tipologia cronotípica sobre o
rendimento de cada indivíduo, a cognição e o humor pode nos auxiliar a escolher
os horários de trabalho de forma personalizada para que cada colaborador possa
dar o seu melhor sem prejudicar sua qualidade de vida. Isso facilitaria as relações
nos ambientes de trabalho, tornaria essas pessoas mais produtivas, mais
satisfeitas consigo mesmas e mais comprometidas.
NÃO SOFRA TANTO COM A MUDANÇA DE HORÁRIO. SIGA ESTAS DICAS:
"Comece a modificar seus hábitos de dormir uns 2 ou 3 dias antes
da mudança do horário. Procure deitar na cama um pouco mais cedo, isso faz
com que o organismo vá se acalmando aos poucos. Praticar exercícios físicos
melhora a qualidade do sono, porém nos primeiros dias, devem-se evitar
exercícios intensos ao final do dia, pois com a prática nesse horário,
aumenta a temperatura corporal e altera a produção de alguns hormônios, como
o cortisol e isso dificulta ainda mais o 'pegar no sono' nos primeiros
dias".
Prof. Claudia Adriana Bruscatto
"A forma como o ambiente é iluminado é mais importante que a
quantidade de luz . A cor da luz pode ter um efeito devastador,
principalmente em longo prazo. A troca das lâmpadas fluorescentes por aquelas
que melhor imitam a luz natural é recomendada. Mesmo assim, o ideal é se
expor o menos possível à luz após o anoitecer, para não prejudicar a produção
de melatonina e não dessincronizar os relógios biológicos".
Prof. Giovana Dantas de Araújo |
Revista UCS - É uma publicação
bimestral da Universidade de Caxias do Sul que tem como objetivo discutir
tópicos contemporâneos que respondam aos anseios da comunidade por
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